sexta-feira, 25 de maio de 2018

Doze horas - Um pequeno ensaio sobre um eventual cenário de emergência em Portugal Continental.




         Este não é um texto feito para convencer quem não tem tendência para a preparação a começar a preparar-se; até pode servir para isso, mas não é esse o principal objectivo. Este é um texto baseado em alguma experiência e numa extrapolação das relações de causa e efeito.  Um texto de perguntas e com perguntas.

       Comecemos com uma personagem fictícia, chamá-la-emos Luís. Este Luís é um "prepper", um sobrevivencialista. Anda sempre com o seu EDC , a sua navalha, o seu super telemóvel com super aplicações, a sua lanterna, o seu alicate multi-ferramentas, a sua esferográfica de metal e a sua Bandana... Até pode ter consigo a sua mochila com filtro para purificar a água, barras de cereais, um poncho simples de plástico, água, o seu flint e isqueiro, a  sua faca escolhida depois de uma exaustiva pesquisa e o seu estojo de primeiros socorros com alguma medicação; e sendo assim -  diga-se - o Luís tem comida armazenada para três meses em sua casa. Está à frente e em vantagem em relação à maioria da população na eventualidade de um temporal mais forte, um perigoso incêndio florestal , uma falha de energia resultante de um destes fenómenos, um ataque cibernético ou de um super raro EMP (pulso electromagnético, do Inglês Electro Magnetic Pulse), que pode ser resultado de uma tempestade solar de grande magnitude, ou de algo deliberado.

     O Luís está "safo", mas como todos nós, tem família ...e aqui é que começa a abrir-se o portal da verdade, porque é na família e na comunidade mais próxima que tudo se pode complicar, e que de tudo aquilo que se testa, é aqui que as coisas falham... Para já não falar dos serviços oficiais e de emergência ou protecção civil, no geral.

      São 15 horas e o Luís está em deslocação no seu automóvel ou no Metro...
   Escolhemos um dia já bem quente de Maio, o Luís está a 25 Km de casa, a energia falhou,  o Metro ou comboio ficam parados no meio do percurso, o caos e as filas geradas por acidentes devido à falta de energia eléctrica fazem o trânsito acumular-se em filas de grandes dimensões. Luís telefona para o trabalho e para a família a dizer que está retido no trânsito vai chegar tarde.
      Luís tem mais do que o seu saco de emergência: tem um plano. Ele sabe os 3 locais em que combinou com a sua mulher para um destes casos. A sua filha vai para a casa de um familiar ou para a sua casa ? É independente, já tem chaves de casa? Está na altura de já as ter ? Ou o seu filho está na creche? É bébé...? 
       Luís ouve pela rádio que no distrito onde habita está a acontecer uma falha de energia, o tempo é bom, não chove, vinte e poucos graus...  Luís está há três horas numa fila que avançou 3 Km, estudantes passam num viaduto por cima da estrada, as escolas deixaram sair os miúdos... A sua filha provavelmente vai para casa, se a escola for perto, óptimo...  A sua mulher também, ou estarão a mulher e a filha do Luís em sítios diferentes à espera da boleia do Luís?  Tu tens um plano combinado com os teus "Luís"...? Vamos ao Luís do comboio, este está parado, as pessoas saíram para os terrenos circundantes, o ar-condicionado não funciona, a rede dos telemóveis não foi cortada mas já se notam falhas devidas ao grande numero de chamadas. Milhares de pessoas querem estar com os seus e ao fim de cinco horas já todos disseram que não sabem como vão chegar ou que vão chegar tarde, que faz o Luís ?  Ele tem a sua mochila consigo, começa o caminho para casa pela linha ou por uma estrada próxima em direcção ao seu porto de abrigo ? Se faz, digamos 7 Km por hora e começou a caminhar 3 horas depois do apagão ,já está a meio do caminho, mas optou por uma opção que lhe pode causar uma situação em que a energia regressa e o comboio passa por ele com os não preparados confortavelmente instalados... Mas estes se a falha de luz durar mais de duas horas, e até devido ao stress começarão a ter sede, muita...

       A filha do Luís entrou em casa, passaram 6 horas desde a falha de luz ,teve que subir as escadas até ao sexto andar ,os pais não estão, começa a anoitecer ,a filha sabe que o pai é prepper ,está tudo bem ,a net não funciona, seca!.. A mãe nunca ligou nada a essas coisas da preparação, decidiu ir para casa no final do trabalho às sete ,uma amiga deu-lhe boleia, mas o trânsito não anda e as pessoas tem sede... 

O Luís está no carro, com calma chega o carro para a berma, fecha-o e abandona-o. A maioria dos outros motoristas começa a sentir muita sede e alguma fome... O Luís parte para o regresso a pé, passaram-se oito horas desgastantes. Fez conversa de circunstância com os condutores vizinhos...
        Decidiu caminhar pela Berma, passaram oito horas desde a falha de energia, o caos e os efeitos da desidratação fazem-se sentir nos outros motoristas. O Luís sai da estrada e esconde-se para beber, regressa à berma da estrada, mas eis que vê um bébé fortemente desidratado com uma mãe em pânico a pedir àgua para o biberão, o Luís dá um pouco da sua ou não? Há pessoas aglomeradas junto aos casos mais graves o 112 não atende e oito horas depois da falha de luz, os telemóveis falham por completo, assim como o sistema de comunicações de emergência Siresp. As baterias de reserva acabaram, são onze da noite.

        A mulher do Luís, a que pediu boleia à amiga lamenta que a amiga tenha feito o desvio por sua causa, o trânsito não flui, a amiga tem o bebé na creche, não sabe nada dele nem do marido, não pode inverter a marcha, não tem espaço, há acidentes em vários sítios da cidade, as complicações devido à falta de luz são imensas, muitas das pessoas que usam electricidade para cozinhar não o conseguem fazer. Os restaurantes e hotéis só conseguem fornecer coisas simples e frias... A amiga da mulher do Luís tem um ataque de ansiedade, a mulher do Luís tem mais calma até porque ouviu muitas vezes as ditas "conversas loucas" do marido e dos amigos mas não pode abandonar a amiga. Esta está pálida e os ataques de pânico passam a desmaios... O que deve fazer a mulher do Luís ? Abandonar a amiga, sair do carro, pedir a alguém ajuda para carregar a amiga, forçar a passagem até ao hospital ,nem que para isso tenha que subir a passeios ou até bater noutros carros, assinalar marcha de emergência? Tem sede!

   O Luís chegou a casa ,a filha está lá, a mulher já devia estar há horas. Decide deixar a filha em casa e vai verificar os lugares alternativos do plano para a mulher. O Luís é bom Prepper, tem uma bicicleta, mas esta não tem luz, mas como o Luís é prepper, carrega consigo uma lanterna; conduz a bicicleta com a lanterna numa das mãos, as ruas estão caóticas, alguém lhe pede para parar. Certos carros começam a ficar sem luz... O Luís não pára. Vai verificar a casa dos sogros, que é a quatro kms da sua.
      Ele chega - bolas! - mas ele nunca viveu na casa dos sogros, logo nunca teve a chave! Eles moram no segundo andar, tudo está escuro, a porta está fechada, não há luz para a campainha ou para o porteiro eléctrico, que é que o Luís faz ? Grita pelos sogros ou pela nome da mulher na escuridão da noite ? Parte o vidro da porta de baixo com o cabo da faca de mato para ir bater directamente à porta deles ? Não - Luís grita pelo nome da mulher e dos sogros,  ouvem-no, não há electricidade...Estão assustados, e mais ainda ficam quando se apercebem de que o Luís não sabe da filha, o pai tem uma dôr no peito resultante da apreensão e pelo alastrar da dôr parece-lhe que poderá ser um enfarte, o Luís tem um estojo de primeiros socorros mas não tem preparação de socorrismo. Há algo que deva fazer ? O quê?
      Luís decide que o sogro precisa de ir para as urgências, mas veio de bicicleta, o hospital está a 2 Kms , que deve fazer o Luís ?
     Luís faz parte de um grupo prepper, um dos membros é médico, o que tem o material de primeiros socorros mais completo . Decide ir até à moradia do médico, o grupo até tem walkie talkies mas só os utilizaram nos seus treinos de bug-out e nunca estabeleceram um momento a partir de que altura estabeleciam contacto numa catástrofe- Logo,  mesmo que tivesse trazido o seu, o do amigo até podia estar com a bateria descarregada... Ok, o Luís decidiu ir rápido, pode ser que o amigo esteja em casa, a sogra do Luís, que não é prepper e que conhece bem o vizinho sabe que filho do vizinhos, jogador de hóquei com 20 anos está em casa, bate à porta e conta o sucedido: O jovem oferece-se para carregar o sogro do Luís até ao seu carro e levá-lo ao hospital, o trânsito está a andar bem e as ruas vão ficando desertas... Próximo do hospital, a mais ou menos 250 metros está o caos instalado, há discussões entre condutores, feridos, algumas poucas ambulâncias a passar quando podem...Não dá, são carros a mais não há espaço. O sogro piora a olhos vistos...
        Luís e o vizinho abandonam o carro, carregam o sogro, mas eis que a entrada das urgências está ocupada por ciganos, estes tomaram de assalto o hospital através da coerção e da violência. Para eles os seus feridos têm prioridade... Num hospital às escuras, a forte lanterna do Luís é um chamariz...Os ciganos aproximam-se, querem que este lhes ceda a lanterna para ajudar nos diagnósticos dos seus idosos... Luís recusa e tenta negociar, mas o seu sogro entra já e é visto...Os ciganos sobem o tom, Luís avisa que carrega uma arma de fogo consigo e mostra-a... Terá sido a atitude correcta mostrar uma arma e não fazer fogo? Os ciganos recuam mas não para muito longe.... Luís chega à beira do médico, que está com marcas visíveis de agressões que sofreu aquando do confronto entre os ciganos e dois polícias que os confrontaram. Um polícia e 3 ciganos estão mortos e um outro polícia e alguns outros ciganos feridos. O Siresp não funciona - A polícia não conseguiu pedir reforços, houve tiroteio. O médico vê que Luís traz consigo uma arma de fogo, fecha a porta rapidamente e diz que ele tem que fugir rapidamente do hospital, os ciganos tem caçadeiras e carabinas nos furgões e dentro em breve irão confrontar o Luís...O que faz agora o Luís? Confronta-os, tenta reunir o seu grupo Prepper e tomar conta das urgências cada vez mais às escuras e entre os gritos de dor dos utentes...?
      O médico sabe por experiência do que precisa o sogro do Luís mas a medicação está noutra divisão. A iluminação de emergência começa-se a apagar...O médico diz ao Luís o que tem que fazer e o que tem que buscar, entretanto os gritos histéricos e os insultos entre ciganos e todos os outros pacientes sobem de tom...o Luís corre até à outra sala, entra com a lanterna numa mão e a arma na outra. Pousa a arma para procurar a medicação e os ciganos nesse momento caem-lhe em cima. É selvaticamente agredido e fica inconsciente ...O jovem que o acompanhava foge do hospital...

    Penso que já perceberam onde se quer chegar. O que falhou? O que foi mal feito ? O que nunca deveria ter sido feito? O que fariam diferente? O seu grupo prepper, o seu equipamento e os vossos planos são aceitáveis? Há sempre o imprevisto? A Lei de Murphy será realista?...

      Vamos imaginar que o Luís não tivesse o apoio do filho dos vizinhos...Talvez a  melhor decisão teria sido ir chamar o médico amigo... Mas conto-vos uma coisa: Na pressa não tinha colocado o contra-gatunos na bicicleta e esta teria sido roubada...
    Joguem sempre jogos mentais desse género, imaginem situações hipotéticas e plausíveis. Muitos preppers são capazes de conhecer as espécies das plantas comestíveis ... Ainda assim, como uma grande parte da população Portuguesa poderiam facilmente morrer nas primeiras doze horas de um blackout.
    Já agora, seria este o comportamento de certas minorias, como no caso hipotético dos ciganos ou seria algo diferente?...
    Quanto aos grupos de preppers, se os vossos planos não levarem em conta o facto de que os membros do grupo colocarão em primeiro lugar as sua famílias, é porque esses são planos pouco realistas e com uma grave falha.




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