Caros amigos, NA "MERA" QUALIDADE DE CIDADÃO, partilho convosco este público desabafo.
A propósito da anunciada proposta de alteração da Lei 5/2006, permitam-me que faça um pouco de história, pois já ando neste “peditório” desde a fase em que a lei 5/2006 ainda estava a ser redigida pela comissão que na altura foi nomeada. Não entrando em detalhes que ocupam muito tempo, as minhas conclusões e preocupações face às anunciadas propostas de revisão do RJAM, são as seguintes:
Pelo que se sabe das diversas reuniões que o MAI tem mantido nestes últimos dias, sempre que confrontado com qualquer nova definição legal ou proibição mais absurda, refugiam-se em alegadas imposições decorrentes de diretivas comunitárias.
Depois de desmascaradas essas desculpas, passam a afirmar que o que ali está escrito não terá implicações para o grupo A ou B, apenas para o C (que são sempre os outros, que não estão presentes).
Há sempre (mas sempre!) o recurso à alusão a um posterior diploma legal que irá sair e repor a justiça (neste caso será a revisão da lei 42/2006). Contudo, a julgar pela experiência passada, quando o diploma é publicado desapareceram as “isenções” anunciadas.
Já houve diversas reuniões a contra-relógio com o MAI. Contudo, daquilo que me tem chegado (e estou a acompanhar as negociações com muita atenção), verifica-se que relativamente às questões BASILARES, nunca se discute nada!
Questões que me parecem ser as mais importantes num processo de revisão legislativa. Mas que não saltam à vista de quem está tão assustado que passa a ter por prioridade a tentativa de defender os interesses de quem representa. O que é legítimo e compreensível, note-se, mas é desta forma que se conseguem dispersar atenções e fazer passar autênticas barbaridades que à primeira leitura não são perceptíveis.
Entre essas questões basilares, encontram-se as seguintes (entre outras, pois são muitas):
Primeiro, porque num processo legislativo tem sempre que se começar por aí. Qual a justificação para legislar? Qual a justificação para proibir o que agora se vai proibir? Qual a justificação para passar a punir com pena de prisão a posse de coisas que até agora sempre foram legais?
Depois, porque por vezes isso responde a muitas outras questões:
Quem redigiu a proposta de alteração legislativa?
Que competências (técnicas, jurídicas e científicas), tem quem redigiu as novas definições legais?
Qual a justificação - caso a caso - para a alteração das atuais definições legais?
Qual a justificação - caso a caso - para a inclusão de novas definições legais?
Recorde-se que as definições legais constantes da redação original da lei 5/2006 resultaram de anos de discussão. Trabalho que foi produzido em sede reuniões de uma comissão plural (que depois se foi socorrendo de especialistas em cada matéria), comissão essa que foi nomeada especificamente para o efeito. Quem são estão estes que, agora, deitam por terra o trabalho técnico daquela comissão e porque o fazem?
Não se legisla por legislar. Legisla-se porque é necessário! Onde está a necessidade neste caso?
Que fenómenos criminais ocorreram ou que aconteceu de tão grave desde a última revisão da lei 5/2006 (ou seja, 2013), pois se agora há tanta presa nestas medidas é porque algo aconteceu entretanto!
Não. Não foi a nova diretiva comunitária, pois se só dessa se tratasse as alterações seriam cirúrgicas e nada teriam a ver com a vasta maioria do que agora se propõe tornar letra de lei.
Fala-se muito nisso, mas onde estão os dados concretos e fidedignos relativos ao número de armas "de caça" que alegadamente estão em detenção domiciliária (as tais 500.000)?
Quantas armas dessas foram furtadas desde essa última revisão legislativa da lei 5/2006?
Em que medida esse número de furtos justifica uma alteração legislativa que se consubstancia numa tão grande ingerência do Estado na liberdade de cada um e no direito de propriedade?
Se de uma pandemia se tratar, percebe-se que se tenha que recorrer a medidas extremas, mas se estivermos a falar de um número insignificante de furtos deixa de haver justificação para medidas de exceção.
Aliás, note-se que estar constantemente a legislar sobre a mesma matéria, mudando radicalmente as regras de uma revisão para a outra, destrói a confiança no Estado e é uma estratégia de política criminal contraproducente.
Se (por hipótese...) foram furtadas assim tantas armas como o MAI alega, como é que a PSP o explica, sabendo-se que os cofres e até as Casas-Fortes são obrigatórias (isto, atendendo ao número de armas que se imputa a cada caçador...) e sabendo que tantas inspeções às condições de segurança foram feitas pela PSP?
Nesta contabilidade aos alegados furtos de armas em detenção domiciliária, qual o rácio entre as armas furtadas aos "civis" e as furtadas ao Estado (sejam Forças Armadas ou forças e serviços de segurança)?
Se - como vai afirmando o MAI durante as reuniões que agora decorrem - as novas definições legais não são assim tão importantes, quer para atiradores desportivos, quer para colecionadores, porque é que as introduziram e porque mudaram as anteriores?
Porque é que ao fim de tantas revisões da lei 5/2006, só agora apareceram tão eminentes especialistas que consideram estar erradas as definições legais que agora pretendem alterar?
Porque é que se aumenta substancialmente a dose de subjetividade e se abandonam (ainda mais) os referenciais mensuráveis, inequívocos e claros, nas definições legais agora propostas?
Porque é que se criam tantas "normas penais em branco"?
Porque é que se aumenta de sobremaneira o poder discricionário da PSP?
Mais uma vez; qual a razão de certas proibições?
Qual o perigo real e como foi quantificado/avaliado, que representam as armas com “aspeto militar”?
Porque se considera que o perigo existe se as armas forem usadas na caça, mas deixa de existir se forem usadas no tiro desportivo? (A acreditar na tal exclusão que virá noutro diploma)
Porque é que o MAI está tão preocupado com o número de armas que (alegadamente...) os caçadores possuem e com as tais "500.000" armas em detenção domiciliária, mas, AO MESMO TEMPO durante as conversas tidas NESTAS REUNIÕES, vem afirmar que para os atiradores desportivos e para os colecionadores não se irão aplicar restrições?
Como é que se consegue justificar que que, no único documento de que temos conhecimento, se fomentem tantas restrições e proibições absurdas e - ao mesmo tempo - quem o promove venha afirmar que "agora" os colecionadores "até" vão poder colecionar mais e passar a ter acesso a armas de classe A (coisa que sempre esteve prevista, mas que a PSP nunca permitiu)?
O mesmo se questiona quanto aos atiradores desportivos. Sobretudo porque as armas que muitos deles agora possuem legalmente, irão passar a classe A, por força das definições legais sem nexo que se tentam impor.
Porque vem a PSP assumir competências que até agora são exclusivas do Ministério da Defesa Nacional e outras que - em certos casos - dependem desse e do Ministério dos Negócios Estrangeiros? (Estou-me a referir a todo o pacote legislativo a que se reporta a "Lista Militar Comum da Comunidade", que é - em parte, mas não só - matéria que com a redação actual está expressamente excluída do âmbito de aplicação do RJAM (vide art.º 1º, nº 2).
Como é possível que se passe a usar a Lista Militar Comum como referencial para uma lei penal que trata do que é proibido deter? Ou será que quem legisla desconhece em absoluto qual a razão que justifica aquela lista e porque motivo se reporta a legislação já existente que nada tem a ver com os crimes de posse de arma proibida?
Porque é que o MAI quer - através da alteração uma “lei ordinária”, que é a lei 5/2006 - ultrapassar o que já está consignado em "leis especiais", como são alguns estatutos profissionais e leis orgânicas que legislam sobre o uso e porte de arma dos membros das Forças Armadas e forças e serviços de segurança?
Será que devem ser tratados como iguais todos os profissionais abrangidos por tais leis especiais, sabendo-se que a sua relação com as armas e os seus níveis de treino são completamente distintos?
Fará algum sentido que, depois do legislador ter analisado (em sede de estatutos profissionais e/ou leis orgânicas) as situações particulares de cada profissional daquelas forças, venha depois a PSP ter poder total e discricionário quanto ao que eles têm já definido, naquelas leis especiais, quais os seus direitos e deveres relativamente ao uso e porte de armas, acessórios e munições?
Fará algum sentido (sobretudo a nível de prevenção criminal) que aqueles que têm o direito e dever de andar armados e que por força de especiais vulnerabilidades decorrentes da sua atividade profissional, passem a ser tratados após o seu horário “normal” de serviço, como um comum cidadão?
É que não pode ser tratado como igual o que é diferente. E o cidadão comum que está abrangido por esta lei, não tem o treino que aqueles têm, nem está sujeito ás obrigações legais permanentes (que não distinguem horários de serviço) que pendem sobre esses profissionais do Estado.
Então como se justifica a subtil alteração entre virgulas do art.º 1º, n.º 5?
Não será uma tentativa da PSP passar a ter a hegemonia de tudo o que tenha a ver som armas e afins (escrevo "afins" tendo em conta as definições legais que tratam como armas coisas que não o são) e se sobrepor ao que outros ministérios já analisaram, decidiram e sobre o qual o Estado já legislou?
Por fim:
Como é possível (e como foi permitido hierarquicamente) que quem representa o Estado, e neste caso concreto o Governo, apresente, como proposta de discussão, um documento que viola grosseiramente e de forma evidente, princípios basilares do nosso Estado de Direito e desrespeita aquela que é a pedra basilar de todas as leis nacionais?
Vítor Teixeira, Cidadão Português
A propósito da anunciada proposta de alteração da Lei 5/2006, permitam-me que faça um pouco de história, pois já ando neste “peditório” desde a fase em que a lei 5/2006 ainda estava a ser redigida pela comissão que na altura foi nomeada. Não entrando em detalhes que ocupam muito tempo, as minhas conclusões e preocupações face às anunciadas propostas de revisão do RJAM, são as seguintes:
Pelo que se sabe das diversas reuniões que o MAI tem mantido nestes últimos dias, sempre que confrontado com qualquer nova definição legal ou proibição mais absurda, refugiam-se em alegadas imposições decorrentes de diretivas comunitárias.
Depois de desmascaradas essas desculpas, passam a afirmar que o que ali está escrito não terá implicações para o grupo A ou B, apenas para o C (que são sempre os outros, que não estão presentes).
Há sempre (mas sempre!) o recurso à alusão a um posterior diploma legal que irá sair e repor a justiça (neste caso será a revisão da lei 42/2006). Contudo, a julgar pela experiência passada, quando o diploma é publicado desapareceram as “isenções” anunciadas.
Já houve diversas reuniões a contra-relógio com o MAI. Contudo, daquilo que me tem chegado (e estou a acompanhar as negociações com muita atenção), verifica-se que relativamente às questões BASILARES, nunca se discute nada!
Questões que me parecem ser as mais importantes num processo de revisão legislativa. Mas que não saltam à vista de quem está tão assustado que passa a ter por prioridade a tentativa de defender os interesses de quem representa. O que é legítimo e compreensível, note-se, mas é desta forma que se conseguem dispersar atenções e fazer passar autênticas barbaridades que à primeira leitura não são perceptíveis.
Entre essas questões basilares, encontram-se as seguintes (entre outras, pois são muitas):
Primeiro, porque num processo legislativo tem sempre que se começar por aí. Qual a justificação para legislar? Qual a justificação para proibir o que agora se vai proibir? Qual a justificação para passar a punir com pena de prisão a posse de coisas que até agora sempre foram legais?
Depois, porque por vezes isso responde a muitas outras questões:
Quem redigiu a proposta de alteração legislativa?
Que competências (técnicas, jurídicas e científicas), tem quem redigiu as novas definições legais?
Qual a justificação - caso a caso - para a alteração das atuais definições legais?
Qual a justificação - caso a caso - para a inclusão de novas definições legais?
Recorde-se que as definições legais constantes da redação original da lei 5/2006 resultaram de anos de discussão. Trabalho que foi produzido em sede reuniões de uma comissão plural (que depois se foi socorrendo de especialistas em cada matéria), comissão essa que foi nomeada especificamente para o efeito. Quem são estão estes que, agora, deitam por terra o trabalho técnico daquela comissão e porque o fazem?
Não se legisla por legislar. Legisla-se porque é necessário! Onde está a necessidade neste caso?
Que fenómenos criminais ocorreram ou que aconteceu de tão grave desde a última revisão da lei 5/2006 (ou seja, 2013), pois se agora há tanta presa nestas medidas é porque algo aconteceu entretanto!
Não. Não foi a nova diretiva comunitária, pois se só dessa se tratasse as alterações seriam cirúrgicas e nada teriam a ver com a vasta maioria do que agora se propõe tornar letra de lei.
Fala-se muito nisso, mas onde estão os dados concretos e fidedignos relativos ao número de armas "de caça" que alegadamente estão em detenção domiciliária (as tais 500.000)?
Quantas armas dessas foram furtadas desde essa última revisão legislativa da lei 5/2006?
Em que medida esse número de furtos justifica uma alteração legislativa que se consubstancia numa tão grande ingerência do Estado na liberdade de cada um e no direito de propriedade?
Se de uma pandemia se tratar, percebe-se que se tenha que recorrer a medidas extremas, mas se estivermos a falar de um número insignificante de furtos deixa de haver justificação para medidas de exceção.
Aliás, note-se que estar constantemente a legislar sobre a mesma matéria, mudando radicalmente as regras de uma revisão para a outra, destrói a confiança no Estado e é uma estratégia de política criminal contraproducente.
Se (por hipótese...) foram furtadas assim tantas armas como o MAI alega, como é que a PSP o explica, sabendo-se que os cofres e até as Casas-Fortes são obrigatórias (isto, atendendo ao número de armas que se imputa a cada caçador...) e sabendo que tantas inspeções às condições de segurança foram feitas pela PSP?
Nesta contabilidade aos alegados furtos de armas em detenção domiciliária, qual o rácio entre as armas furtadas aos "civis" e as furtadas ao Estado (sejam Forças Armadas ou forças e serviços de segurança)?
Se - como vai afirmando o MAI durante as reuniões que agora decorrem - as novas definições legais não são assim tão importantes, quer para atiradores desportivos, quer para colecionadores, porque é que as introduziram e porque mudaram as anteriores?
Porque é que ao fim de tantas revisões da lei 5/2006, só agora apareceram tão eminentes especialistas que consideram estar erradas as definições legais que agora pretendem alterar?
Porque é que se aumenta substancialmente a dose de subjetividade e se abandonam (ainda mais) os referenciais mensuráveis, inequívocos e claros, nas definições legais agora propostas?
Porque é que se criam tantas "normas penais em branco"?
Porque é que se aumenta de sobremaneira o poder discricionário da PSP?
Mais uma vez; qual a razão de certas proibições?
Qual o perigo real e como foi quantificado/avaliado, que representam as armas com “aspeto militar”?
Porque se considera que o perigo existe se as armas forem usadas na caça, mas deixa de existir se forem usadas no tiro desportivo? (A acreditar na tal exclusão que virá noutro diploma)
Porque é que o MAI está tão preocupado com o número de armas que (alegadamente...) os caçadores possuem e com as tais "500.000" armas em detenção domiciliária, mas, AO MESMO TEMPO durante as conversas tidas NESTAS REUNIÕES, vem afirmar que para os atiradores desportivos e para os colecionadores não se irão aplicar restrições?
Como é que se consegue justificar que que, no único documento de que temos conhecimento, se fomentem tantas restrições e proibições absurdas e - ao mesmo tempo - quem o promove venha afirmar que "agora" os colecionadores "até" vão poder colecionar mais e passar a ter acesso a armas de classe A (coisa que sempre esteve prevista, mas que a PSP nunca permitiu)?
O mesmo se questiona quanto aos atiradores desportivos. Sobretudo porque as armas que muitos deles agora possuem legalmente, irão passar a classe A, por força das definições legais sem nexo que se tentam impor.
Porque vem a PSP assumir competências que até agora são exclusivas do Ministério da Defesa Nacional e outras que - em certos casos - dependem desse e do Ministério dos Negócios Estrangeiros? (Estou-me a referir a todo o pacote legislativo a que se reporta a "Lista Militar Comum da Comunidade", que é - em parte, mas não só - matéria que com a redação actual está expressamente excluída do âmbito de aplicação do RJAM (vide art.º 1º, nº 2).
Como é possível que se passe a usar a Lista Militar Comum como referencial para uma lei penal que trata do que é proibido deter? Ou será que quem legisla desconhece em absoluto qual a razão que justifica aquela lista e porque motivo se reporta a legislação já existente que nada tem a ver com os crimes de posse de arma proibida?
Porque é que o MAI quer - através da alteração uma “lei ordinária”, que é a lei 5/2006 - ultrapassar o que já está consignado em "leis especiais", como são alguns estatutos profissionais e leis orgânicas que legislam sobre o uso e porte de arma dos membros das Forças Armadas e forças e serviços de segurança?
Será que devem ser tratados como iguais todos os profissionais abrangidos por tais leis especiais, sabendo-se que a sua relação com as armas e os seus níveis de treino são completamente distintos?
Fará algum sentido que, depois do legislador ter analisado (em sede de estatutos profissionais e/ou leis orgânicas) as situações particulares de cada profissional daquelas forças, venha depois a PSP ter poder total e discricionário quanto ao que eles têm já definido, naquelas leis especiais, quais os seus direitos e deveres relativamente ao uso e porte de armas, acessórios e munições?
Fará algum sentido (sobretudo a nível de prevenção criminal) que aqueles que têm o direito e dever de andar armados e que por força de especiais vulnerabilidades decorrentes da sua atividade profissional, passem a ser tratados após o seu horário “normal” de serviço, como um comum cidadão?
É que não pode ser tratado como igual o que é diferente. E o cidadão comum que está abrangido por esta lei, não tem o treino que aqueles têm, nem está sujeito ás obrigações legais permanentes (que não distinguem horários de serviço) que pendem sobre esses profissionais do Estado.
Então como se justifica a subtil alteração entre virgulas do art.º 1º, n.º 5?
Não será uma tentativa da PSP passar a ter a hegemonia de tudo o que tenha a ver som armas e afins (escrevo "afins" tendo em conta as definições legais que tratam como armas coisas que não o são) e se sobrepor ao que outros ministérios já analisaram, decidiram e sobre o qual o Estado já legislou?
Por fim:
Como é possível (e como foi permitido hierarquicamente) que quem representa o Estado, e neste caso concreto o Governo, apresente, como proposta de discussão, um documento que viola grosseiramente e de forma evidente, princípios basilares do nosso Estado de Direito e desrespeita aquela que é a pedra basilar de todas as leis nacionais?
Vítor Teixeira, Cidadão Português
Sem comentários:
Enviar um comentário