sábado, 26 de março de 2011

Encontrar água

Em todos os ambientes de sobrevivência, encontrar água potável é a primeira prioridade. Este soldado demonstra um bom método de recolha de água da chuva, utilizando uma estrutura de rebentos para suportar as folhas impermeáveis, estas formando uma “taça” na qual a água é recolhida.


A água é o elemento mais essencial para a sobrevivência. Se o soldado num exercício de sobrevivência – ou em combate – não consegue ingerir mais água do que a que perde através da transpiração, digestão e respiração, a sua saúde deteriora-se rapidamente. Mesmo que ficasse sentado e quieto durante todo o dia, sem fazer qualquer forma de esforço, ainda assim o seu corpo perderia cerca de um litro de líquido, e essa taxa sobe para dois ou três litros durante os níveis normais de esforço. Por exemplo, imagine um soldado num deserto a marchar quilómetros através do calor e com cargas pesadas e começa a ter uma ideia de quão rapidamente, por mais forte que seja, se desidrata. Adicione alguma forma de doença que exija líquidos – como a diarreia ou os vómitos – e o resultado será grave desidratação, que pode ser mortal.
Da mesma forma, um dos primeiros princípios que aprenderá é como conservar a água que já tem dentro do seu corpo. Alguns conselhos são bastante óbvios.
Descanse o máximo possível para reduzir a perda de fluidos através da transpiração. Saia do sol tanto quanto possível e tente caminhar de noite. Mantenha-se afastado de superfícies quentes como as rochas expostas ao sol. Se tiver água, racione-a para os próximos dias e seja muito disciplinado nesse aspecto.
No entanto, alguns factos sobre a conservação da água são menos conhecidos. Deve falar o menos possível, porque a respiração envolvida aumenta a perda de líquidos quando expira. Se a sua água é muito pouca, não coma. A digestão requer uma grande quantidade de fluido para completar o seu processo, especialmente os alimentos gordos. Podia literalmente consumir-se até à desidratação. Apenas coma se a sua ração de água o permitir – um guia razoável é o facto de ter água suficiente para acompanhar bem a sua refeição e para beber durante o resto do dia. Finalmente, não fume nem beba álcool, porque ambos aceleram a perda de fluidos (um soldado SAS provavelmente não leva álcool nas operações, mas fumar é mais comum).
Em países de clima temperado, como o Reino Unido, encontrar provisões naturais de água raramente é difícil. Além das fontes feitas pelo homem (uma missão discreta para encontrar a torneira da água de uma quinta pode ser útil), as zonas temperadas normalmente têm riachos, rios e chuva. No entanto, nem sempre é este o caso e um recruta é treinado para encontrar e extrair água mesmo nas condições mais áridas.
Se encontrar uma nascente, deve ter uma extrema precaução mesmo quando a sede o assola. Muitas nascentes podem estar envenenadas por toxinas naturais ou artificiais. Os sinais de envenenamento incluem: um cheiro horrível na água e bolhas na superfície; animais mortos e nenhuma planta viva perto da fonte de água; lagos que não possuem entradas nem saídas de água fresca. Qualquer que seja a aparência da água deve purificá-la antes de a beber. Idealmente, isto far-se-á com comprimidos de purificação, que devem ser uma parte essencial do seu equipamento de sobrevivência. No entanto, se não os tiver, deve filtrar a água por um pano antes de a ferver durante 10 minutos para remover a maior parte das impurezas.
Claro que, por vezes, não há tempo para toda esta preparação. Alguns goles experimentais podem ser bebidos de um rio que corra livremente por cima de uma pedra calcária ou leito de seixos, mas uma fonte ainda melhor e já pronta é a água da chuva. Recolha-a sempre que chova e guarde-a, se possível. Ensopar um pedaço de pano e depois torcê-lo para um recipiente é um dos melhores métodos. Como alternativa, procure reservatórios naturais como as cascas de árvores ou plantas em forma de taça que possam conter água da chuva. As próprias plantas – por exemplo, o bambu, o cacto e a palmeira – podem também ser armazenadoras de água. O soldado deve estudar os tipos de planta que crescem nesta área antes de chegar.
Por vezes o soldado não encontra nascentes acessíveis. Isto deixa-lhe três opções: extrair água do subsolo, extraí-la por condensação ou encontrar plantas que tenham as suas próprias reservas de água. Encontrar água no subsolo não é fácil, e é necessário ter o olho treinado para reconhecer os sinais da sua presença. Os melhores locais para procurar são rios secos ou leitos de riachos – embora a água à superfície já não exista, pode ficar no subsolo durante longos períodos de tempo. Escolha o ponto mais baixo de uma curva no leito de um ribeiro ou rio e escave – após alguns centímetros verificará que a água começa a encher o buraco.
Os bosquímanos no deserto de Kalahari, em África, utilizam uma técnica de escavação até que o solo fique húmido, e depois inserem um junco no solo e sugam-no durante cerca de 10 minutos. Eventualmente descobrem que a água é sugada da terra e sobe pelo junco ou palha.
A condensação é uma forma muito mais complexa de obter água, mas pode produzir resultados que salvam vidas. Existem dois métodos básicos para esta forma de recolher água: a destilação solar e o saco de transpiração. Ambos requerem o uso de uma ou duas folhas de politeno (como as de um saco de compras muito resistente). A destilação solar possui uma aplicação valiosa em regiões desérticas, enquanto o método da transpiração requer que encontre vegetação verde e fresca.
Para fazer uma destilação solar, primeiro escave um buraco com cerca de 90 cm de largura por 45 cm de profundidade. Coloque alguma forma de receptáculo no fundo do buraco para recolher a água, depois coloque uma folha de plástico por cima do buraco, segurando-a pelas extremidades com pedras ou areia para a manter no lugar. A folha de plástico deve ficar mais funda no centro, sem tocar nas paredes do buraco, para que o ponto mais baixo fique directamente acima do receptáculo. Coloque uma só pedra no meio do plástico como peso. Esta destilação solar funciona ao apanhar a condensação entre o solo e o plástico à medida que o sol aquece o solo durante o dia. O vapor de água condensa na parte de baixo do plástico, escorre para o ponto mais baixo (definido por uma única pedra no cimo) e depois escorre para o contentor. Adequadamente construído – lembre-se de prender bem as extremidades da folha de plástico para que a água não se evapore para o exterior – a destilação solar pode resultar em cerca de um litro de água por dia. Isto não é o suficiente para o manter vivo, mas combinado com outros métodos (ou utilizando várias destilações solares) pode ser uma parte vital das suas reservas de água.
Um saco de transpiração funciona com o mesmo princípio, mas neste caso extrai vapor de água de plantas em vez de ser do solo. Ate um saco de plástico à volta de uma secção de vegetação verde e saudável, tendo cuidado para que as extremidades do saco não fiquem comprimidas contra as folhas. Novamente, quando o sol aquece o saco e o seu conteúdo, o vapor de água forma-se nas partes laterais do saco e escorre para o ponto mais baixo, normalmente um canto. Depois é só recolher a água para beber A mesma técnica pode ser usada em vegetação que tenha sido cortada de uma árvore ou planta. Coloque a vegetação no saco, mas deixe-a numa camada de pedras para evitar que a vegetação toque no solo onde está o saco. Impeça o “telhado” do saco de fazer o mesmo puxando-o para cima com um rebento com uma pedra (a pedra não absorve a água) entre a ponta do pau e o saco.
Utilizando estes métodos, o soldado pode suprir grande parte, se não mesmo todas, as necessidades de ingestão de líquidos. Quando esta ingestão é suficiente, então o soldado pode começar a preocupar-se com o alimento.



Fonte: McNab, Chris. SAS - Forças Especiais. Curso de admissão. Lisboa: Editorial Estampa, 2002, pp. 135-138

quarta-feira, 9 de março de 2011

SAS (Special Air Service) - Treino de Sobrevivência em Combate (1ª parte)

O Treino de Sobrevivência em Combate foi concebido para dar aos soldados SAS a auto-suficiência total, independentemente do terreno. Das montanhas repletas de neve da Gales do Sul às selvas sufocantes do Brunei, o TSC ensina o recruta SAS a alimentar-se à base do que colhe da terra e a permanecer vivo sem receber alimentos. 

A maior parte do conteúdo do Treino de Continuação é de instrução e teoria e não aborda as práticas fisicamente exigentes da Selecção. No entanto, existe um aspecto no TC, por vezes controverso, que coloca o recruta do SAS sob extrema pressão física e mental. Isso é chamado o Treino de Sobrevivência em Combate (TSC).
O TSC foi concebido com várias intenções. Primeiro, dá aos recrutas ensinamentos básicos para viver da terra se tiver de o fazer. Os soldados do SAS operam longe dos recursos logísticos, e é muito fácil para eles ficarem sem alimento e água se uma missão se estender para além do que estava estipulado ou correr mal. Deixados expostos ao clima e sem subsistência, eles têm de conseguir manter-se vivos e saudáveis pelos seus próprios meios. Segundo, a parte do curso de fuga e evasão concentra-se na forma como evitar o cativeiro, se evadir e como também resistir ao interrogatório em cativeiro. Todos estes elementos são vitais, uma vez que os soldados das Forças Especiais constituem um alvo extremamente desejável para o inimigo capturar e, porque eles operam longe das forças convencionais, é improvável que se possam fazer passar por outra pessoa. Além disso, o inimigo sabe que os soldados possuem informação militar genuinamente útil. Eles frequentemente tentam extrair este tipo de informação por meios violentos, como a tortura física ou psicológica. O treino de interrogatório ensina algumas capacidades para resistir e fugir às técnicas do interrogador. Talvez o mais importante seja permitir ao pessoal da Joint Services Interrogation Unit avaliar se o soldado possui a dureza mental para lidar com alguns dos piores excessos do interrogatório. O TSC, essencialmente, é separado em três secções e em três locais. A primeira parte é dada em Hereford, e apresenta aos recrutas os princípios fundamentais da sobrevivência. Estes são instruídos sobre os princípios básicos de como encontrar alimento e água, fazer abrigos e fogo e também como realizar tudo isto e continuar incógnito. A segunda parte é o Treino na Selva. Este realiza-se duas vezes por ano (normalmente começa em Março e em Setembro) na Escola do Exército Britânico de Treino na Selva, no Brunei. No total o curso dura cerca de seis semanas, dando aos recrutas uma boa ideia de como viver e lutar na selva mais densa.
A terceira parte do TSC é conduzida novamente no Reino Unido, em Exmoor e noutros locais. Este é o controverso curso de fuga e evasão. Os recrutas aprendem a evadir-se do cativeiro muito para trás das linhas inimigas. No entanto, a parte da fuga e evasão que levanta mais controvérsia é o treino de resistência ao interrogatório. Este é conduzido por pessoal da Joint Services Interrogation Unit, que se especializa em colocar homens e mulheres passíveis de ser capturados em cenários de interrogatório extremamente realistas e até mesmo brutais. Se em qualquer fase o recruta parece que não vai resistir e que pode dar informações essenciais, será eliminado como se estivesse na primeira semana da Selecção.
Estes três elementos diferentes do TSC podem não aparecer nesta mesma ordem em cada curso, mas juntos darão ao recruta SAS uma boa base necessária para sobreviver nos ambientes militares e naturais mais hostis do mundo.

Treino de Sobrevivência
Como o curso de sobrevivência na selva constitui uma parte distinta do Treino de Sobrevivência em Combate, vamos tratá-lo separadamente. Primeiro, veremos as capacidades de sobrevivência que os recrutas aprendem no Reino Unido. O treino de sobrevivência é um longo processo dentro do SAS. As exigências de terrenos como desertos e paisagens polares são bastante diferentes das que o soldado enfrenta num clima temperado como o do Reino Unido. Assim, mesmo depois de o recruta ter passado o TSC e se ter tornado membro do SAS, receberá treino de sobrevivência relevante para as suas possíveis áreas de operação.
No entanto, o treino de sobrevivência no Reino Unido abrange os princípios fundamentais de sobrevivência que podem ser aplicados na maioria das zonas do mundo. Estes princípios são os seguintes:

Alimento
O recruta tem de ser capaz de viver dos recursos da terra, das plantas e dos animais. Na realidade, isto significa saber identificar as plantas comestíveis e as venenosas, saber apanhar, matar e preparar animais para cozinhar, métodos gerais de cozinha de sobrevivência e diferentes formas de armazenar alimentos.

Água
Embora os seres humanos possam sobreviver nas circunstâncias correctas por mais de uma semana sem comer, se forem privados de água terão sorte em sobreviver alguns dias. Encontrar água é, consequentemente, uma das capacidades mais importantes ensinadas ao recruta no TSC. Eles têm de ser capazes de encontrar fontes naturais de água, extrair água do chão ou do ar através de meios artificiais, compreender os princípios de uma ingestão equilibrada de alimento e de água e saber quais as plantas que contêm água.

Abrigo
Qualquer que seja o clima, um abrigo é vital. Um abrigo pode ser qualquer coisa, desde a cobertura de uma árvore a uma sofisticada construção com ramos e cordel, mas deve proteger o ocupante e o seu equipamento das condições do clima. Durante o Treino de Sobrevivência em Combate, o recruta aprende a construir um abrigo básico com materiais naturais, a escolher um local apropriado para o abrigo, a adaptá-lo a condições de humidade ou de seca, e a torná-lo habitável e adequado para cozinhar.

Fogo
O fogo é um elemento precioso de sobrevivência. Permite cozinhar, dá calor directo e luz, nos climas quentes o fumo pode ajudar a manter os insectos afastados e também pode subir o moral. No entanto, os soldados de elite devem ser cuidadosos quando fazem fogueiras porque constituem uma pista para o inimigo. No TSC é dito ao recruta onde e quando não deve fazer uma fogueira e, mais importante, como fazer uma fogueira sem fósforos e sem isqueiro.
Tomando cada um destes elementos em conta, vamos ver as técnicas mais importantes que um recruta deve aprender durante o TSC. Em todas as alturas o recruta deve lembrar-se de que mais tarde, durante o treino de sobrevivência, será deixado no campo, apenas com a roupa que traz vestida, durante vários dias. Com antecedência, as suas roupas e corpo são inspeccionados, para ver se tem algo que o possa ajudar a sobreviver – como um canivete ou uma caixa de fósforos – e estes são confiscados. Nada lhe deve dar uma vantagem injusta. A sua capacidade para sobreviver no período de isolamento está directamente relacionada com o que aprendeu durante as semanas anteriores. Se ele tiver de ser salvo, ou não tiver êxito, será eliminado.

Encontrar fontes de água
Seguem-se alguns bons indicadores, mesmo em regiões desérticas, de locais onde pode encontrar água:
- Muitos insectos, especialmente abelhas e formigas, podem indicar que uma fonte de água está perto (quer à superfície quer debaixo do solo).
- Vegetação fresca que cresce numa paisagem predominantemente seca pode significar que existe água por baixo da superfície. Este efeito é frequentemente visto em leitos de rios secos, especialmente nas curvas, onde a água da superfície é a última a escassear.
- Os pássaros normalmente bebem água de madrugada e ao anoitecer. Se um pássaro já se alimentou, costuma voar curtas distâncias antes de descansar numa árvore ou noutro poleiro. Assim, descubra de onde ele veio ou para onde vai, mas tenha cuidado porque os pássaros podem voar grandes distâncias até chegar à água.
- Como os pássaros, os animais de pasto tendem a viajar para a água de madrugada e ao anoitecer. Este sinal pode ser útil nas regiões africanas onde existem padrões claros de vestígios de animais. Caso contrário, procure pegadas de animais.
- Rochas com a superfície húmida podem indicar que existe uma nascente por baixo. Isto acontece particularmente com a pedra calcária e as rochas de lava.
- Nas zonas costeiras, experimente escavar acima da marca mais alta da água – a água fresca é normalmente filtrada pela areia e flutua no topo da água salgada.

Fonte: McNab, Chris. SAS - Forças Especiais. Curso de admissão. Lisboa: Editorial Estampa, 2002, pp. 131-134